Objetivos
. Identificar falhas em bases de dados sobre violência contra a mulher
. Aprender a noticiar as falhas em bases de dados sobre violência
. Interpretar corretamente dados sobre violência doméstica e contra a mulher
Referência
A série de reportagens “Um vírus e duas guerras”, um levantamento inédito realizado no Brasil para monitorar casos de feminicídio durante a pandemia de Covid-19, foi realizada por sete mídias independentes (AzMina, Amazônia Real, Agência Eco Nordeste, #Colabora, Portal Catarinas, Marco Zero Conteúdo e Ponte Jornalismo). Realizado durante dois quadrimestres, o trabalho resultou em um relatório sobre os desafios enfrentados durante a produção das reportagens. O material traz sugestões de melhorias na coleta, organização e disponibilização dos dados relativos à violência contra a mulher para a imprensa e a sociedade.
Resultados
. Conseguir identificar falhas nas bases de dados sobre violência contra a mulher
. Basear legislações e decretos municipais de apoio às mulheres em situação de violência durante a pandemia
. Mudanças na forma como governos divulgam dados sobre violência doméstica
Como medir
. Auditoria das reportagens que usam bases de dados públicas
. Impacto em legislações e decretos governamentais
. Mudanças de políticas públicas baseadas nas reportagens
Passo a passo
Acesso à base de dados. Os dados sobre segurança pública geralmente são disponibilizados nos portais dos órgãos de segurança pública dos estados. Outras formas de obter os dados são via Lei de Acesso à Informação (LAI) e ouvidoria estadual, esta última que pode trazer inclusive informações mais completas que as bases de dados abertos publicadas nos portais.
Analisar os dados disponíveis. De posse da base de dados, você precisará entrevistá-la, isto é, extrair dela as informações que podem render uma matéria. Ao organizar os dados e tentar responder a algumas perguntas com base neles, você começará a perceber as falhas, inconsistências, aquilo que a base não conseguirá te entregar.
Os principais problemas identificados na apuração de “Um vírus, duas guerras”, foram:
- Não fornecimento dos dados no período de apuração. Alguns estados brasileiros não fornecem os dados solicitados, outros fornecem as planilhas, mas não contemplam o período solicitado. Você precisa observar também como o estado faz a publicação, se é quinzenal, mensal, semestral, anual. Isso fará diferença na hora de sistematizar a informação nacional.
- Fornecimento de dados incompletos. Quando o estado divulga dados incompletos, por exemplo, dá somente informações sobre feminicídio, deixando de fornecer dados sobre outros crimes tipificados como violência doméstica. Sem esses dados, não é possível fazer uma série histórica dos casos de violência doméstica ou mesmo um comparativo com o ano anterior.
- Falta de padronização dos dados. Cada estado disponibiliza seu relatório em um formato diferente, com estrutura de dados diferente. No Distrito Federal e em Goiás, por exemplo, os dados são fornecidos em PDF, o que dificulta a análise. O ideal sempre é que os dados sejam disponibilizados em CSV ou XLS, que são formatos abertos.
- Falta de detalhamento nos dados. Além da ausência de respostas de alguns estados, o levantamento enfrentou também a falta de uniformização dos indicadores usados pelas secretarias de segurança. Nem sempre há informações sobre raça, orientação sexual ou identidade de gênero, o que acaba por invisibilizar a violência.
- Cada estado tem uma forma de registrar as ocorrências. Cada estado tem uma forma diferente de classificar os crimes compreendidos como violência doméstica, tipificados pela Lei Maria da Penha. Em alguns deles, não há separação entre violência doméstica geral e violência doméstica contra as mulheres, caso do Paraná.
- Burocracia excessiva no momento da apuração dos dados. Alguns estados, como o Rio de Janeiro, pedem que você assine um termo do Instituto de Segurança Pública para obter acesso aos dados de feminicídio. Um dos itens do termo é “Compromete-se a respeitar a estrutura das Bases de Dados produzidas pelo Núcleo de Pesquisa em Justiça Criminal e Segurança Pública, ficando proibida a sua modificação ou reordenação sem autorização expressa do referido Núcleo”. Com essa imposição, não há a possibilidade de separar casos de feminicídio de homicídio de mulheres, por exemplo, prejudicando outras análises mais específicas.
Vítimas secundárias da violência contra a mulher. Vários casos de violência contra a mulher são testemunhados e vivenciados por outras pessoas, como filhos, pais, mães e avós. Porém, essas pessoas não são contabilizadas nas planilhas de dados e nem sequer nos boletins de ocorrência, muitas vezes. Será preciso cruzar as informações com outras bases de dados para pautar reportagens sobre essas vítimas.
Transfeminicídio. As bases tampouco trazem dados sobre transfeminicídio, então será preciso recorrer a algumas organizações, como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), para conseguir extrair e analisar dados com esse recorte específico.
Motivação do crime. As bases de dados sobre violência contra a mulher refletem o machismo presente na sociedade e nas instituições, então é preciso atenção para não reproduzir isso nas reportagens. Não existe crime de motivação passional, por exemplo. É preciso se ater à linguagem usada na base, porque ela poderá estar cheia de vícios e estereótipos.
Erros nas colunas e linhas. Verifique se as colunas e linhas estão preenchidas apenas com a informação correspondente, isto é, se o preenchimento diz “dia”, verifique se em todas as linhas há apenas o dia e não o dia e mês, por exemplo. O mesmo serve para endereços, verifique se um nome de um bairro, por exemplo, está escrito da mesma forma em todas as linhas. Falhas como essas podem comprometer e dificultar a análise dos dados.
Busque quem coletou os dados. Faça uma lista de todos os erros encontrados e das dúvidas que a base te deixou e procure o responsável pela coleta dos dados no órgão público referente. Entrevistar essa pessoa te ajudará a interpretar as informações e também a explicar ao leitor o que não pode ser respondido pela sua reportagem em função da qualidade dos dados disponíveis. Você também pode buscar o dicionário da base de dados, para se certificar o que representa cada linha e coluna, além do documento de metodologia da base, que explica como foi o processo de coleta.
Noticie as falhas da base. Há duas formas de fazer isso. Você pode publicar matérias mostrando o que aquela base não responde à sociedade, mas deveria responder, ou publicar um parágrafo explicando as inconsistências da base. Isso resguarda a reportagem e, ao mesmo tempo, mostra transparência no processo de produção. Além disso, é possível alertar a sociedade e os governos, para que essas falhas sejam corrigidas
Links
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